quarta-feira, 30 de abril de 2008

Suicide-se com moderação, s.f.f.

----- Original Message -----
Sent: Wednesday, April 30, 2008 11:44 AM
Subject: fumador.cedilha.net

Agradeço ao  João Graça a ideia dum sítio onde quem gosta de fumar pode encontrar ajuda na escolha dos cafés e restaurantes “civilizados “.    Todos podem  e devem conviver, sem incomodar  ou  coartar a liberdade e o prazer de ninguém.

A lista reunida desses locais já me  foi  muito útil ,  em  Lisboa e  no  Porto.

Quero também contribuir com  a indicação de mais três  restaurantes  :

“ Chá da esperança “  na rua da Esperança   e   “ Frade dos Mares “  na Av. D. Carlos I   (largo do chafariz  --Santos )

Há ainda  o restaurante  “Yasmin “  no  jardim ao lado da Mercado da Ribeira.

Saudações a todos os que têm  colaborado


p.s.—parece-me recomendável  «fumar com moderação »



Depois de pessoalmente ter respondido a tão amável e colaborante missiva, cumpre esclarecer alguma coisinha sobre aquele derradeiro e quiçá misterioso post scriptum.

Aliás, devo agradecer à nossa companheira de fumaradas a oportunidade que aquela sugestão me proporciona, já que desde há muito tempo pretendia falar aqui do assunto.

Como todos sabemos, qualquer anúncio a bebidas alcoólicas tem aposta a generosa e da ordem frasezinha "beba com moderação", ou algo equivalentemente patético; já nos maços de tabaco (não nos anúncios, porque a publicidade ao dito é expressamente proibida) a coisa é logo a matar, por assim dizer, em sentido literal; dizem-nos, nossos incógnitos e enigmáticos benfeitores, que "Fumar Mata", por exemplo. No tabaco é logo, pimba, "vais morrer, cão" (ou coisa do género), mas lá na cervejinha, no "uísquezinho" ou na pinga em geral, bem mais avisados e maneirinhos são os letreiros, os apelos à contenção, ou lá o que raio é aquilo. Aliás, no que diz respeito à gasolina de avião para emborcar (vulgo, bebidas alcoólicas), esses "apelos" costumam ser precedidos por uma introdução ainda mais parva: "seja responsável".

Eu cá acho que, nestes assuntos de saúde pública, não deve haver meias palavras ou coisinhas chochas. Se querem apelar à consciência dos bebedores, então deveriam entrar também a matar, utilizando as tácticas de guerra psicológica do "antitabagismo" fundamentalista. Assim como escrevem nos maços que "Fumar Mata", deveriam escarrapachar nas "botellas" fosse do que fosse algo como "Beber Mais Mata Mais Depressa" ou, outra sugestão super-criativa, "Vais Beber, Vais-te Foder", por exemplo. Como equivalente ao "Fumar pode provocar morte lenta e dolorosa", porque não grafar em garrafas e copos "Beber Dá Cirroses Muito Jeitosas" ou "O Álcool é Bera com'á Ferrugem"?

Já agora, em vez de se recomendar ao bebedor que "beba com moderação", que tal completar a frase convenientemente? Ficaria assim: "beba com moderação, sua ganda besta" ou, que sei eu, em vez de "ganda besta", punha-se "seu animal", ou "ó caramelo", ou ainda "se não, leva tau-tau".

A escola fundamentalista, em especial na disciplina dedicada à saúde alheia (vulgo, pública), não enxergando mais do que meio palmo adiante do próprio umbigo, recusa liminarmente qualquer espécie de senso, seja ele bom ou apenas comum. Estes letreiros, quanto ao fumo ou quanto ao álcool, surtem tanto efeito como tentar convencer uma criança de que os bombons fazem mal "à barriga"; para começar, criança alguma sabe ao certo o que vem a ser isso da "barriga" e, por conseguinte e muito acertadamente, a dita criança sentir-se-á decerto enganada pelo adulto que a tenta convencer de algo totalmente absurdo, porque inexistente, vago, indefinido.

Alguém presumirá, porventura, que algum daqueles recadinhos pseudo-altruístas colheu o mais ínfimo dos efeitos? Que alguma vez algum fumador deixou de fumar o seu cigarrinho ou uma pessoal normal de beber o seu "uísquezinho"? Como? Hem? Diga? Por causa daquela merda estar ali escrita? Nunca!

Muito provavelmente, a servirem aqueles dizeres para alguma coisa, será com certeza pela inversa, isto é, acicatando ainda mais o fumador para acender mais um cigarro ou levando qualquer pessoa a encher de novo o copo. Quanto mais não seja, pela sensação típica de "que se lixe, assim com'assim, é p'rá desgraça".

Não confundamos, no entanto, beber com fumar; mantenhamos as coisas devidamente em separado, porque são óbvia e completamente diferentes. Nenhum fumador se intoxica até cair para o lado ou sequer até ficar tonto, perder o equilíbrio, desatar a dizer asneiras e chatear toda gente; fumar não implica nem pressupõe o risco de vir a bater na mulher (ou no marido) apenas por desfastio ou de armar barracadas e desacatos diversos em tudo quanto é sítio. Por mais que os maníacos da saúde o tentem fazer crer, não existe a figura típica do "fumador da aldeia"; é uma impossibilidade técnica que alguém passe a viver na rua ou ande a arrumar carros por causa do seu vício tabágico. O alcoolismo é uma patologia com graves reflexos pessoais, familiares e sociais, fumar é um hábito de cariz social potencialmente perigoso para a saúde do indivíduo. Por outro lado, o risco de que o hábito de beber álcool se transforme em alcoolismo não pode sequer ser comparado a que o hábito de fumar se transforme em tabagismo - que não é designação de uma doença, mas de uma temática (ou problemática).

Um fumador não anda (não deve andar) por aí a arrebanhar fumadores, a convidar outros para "só mais um, p'ró caminho". Não alicia ninguém para fumar, muito menos menores; pelo contrário, faz o que pode (deve fazer) para que os jovens não comecem a dar umas baforadas e ajuda (deve ajudar) quem pretende deixar o tabaco. O fumador não incomoda (não deve incomodar) ninguém com o seu fumo e não tenta sequer (não deve tentar) justificar aquilo que sabe perfeitamente não ser justificável.

Porém, o fumador (consciente) também não tem nada que dizer aos outros aquilo que é melhor para eles ou aquilo que mais lhes convém. Esse tipo de moralidade podre, essa tendência para impingir balelas ao próximo, a necessidade compulsiva de babar palermices paternalistas para cima de qualquer desconhecido, isso sim, como vemos e sabemos, é típico de bêbedos inveterados.

Os mesmos que se entretêm, entre dois soluços avinhados, a inventar as tais frases lapidares de apelo à "responsabilidade e à "moderação". Consciência pesada, é o que é.

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