segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Os dias da raça


arroz de cabidela
Tabaco
galheteiros
paliteiros
pauliteiros
jaquinzinhos
Bolos na praia
brinquedos com arestas

brinquedos sem arestas fabricados na China
restaurantes chineses
chinesas
chapeuzinhos chineses para bebidas
chapeuzinhos de Taiwan para bebidas
bebidas para pôr debaixo dos chapeuzinhos
colher-de-pau (os talheres de plástico, pode)
assadores em barro
bolas de Berlim
pão caseiro
queijo caseiro
comida caseira
seja o que for caseiro
caseiros
sem-abrigo não licenciados
sem-abrigo licenciados
Ginjinha do Rossio
ginjinha sem ser do Rossio
aguardente de medronho
vinho "americano"
jeropiga
zurrapas em geral
etecetera





Companheiros, amigos e camaradas.

Se ansiamos por uma raça pura e saudável. Se queremos uma sociedade higiénica e bem cuidada, para sempre livre de mistelas e de misturas. Se desejamos o apuro e o aprumo do português verdadeiro, antiquíssimo, vetusto, porém moderno e avançado, superior mesmo. Se é isto que pretendemos, acima de tudo, então estamos no bom caminho. (aplausos)

Não se trata exactamente de seleccionar os elementos mais preparados e geneticamente mais aptos. O que se pretende é apenas e tão só normalizar características para uniformizar carácteres e para formar, num futuro não muito distante, o novo homem lusitano: já não atarracado, analfabeto e de bigode, mas alto, de porte atlético, entre um metro e setenta e cinco e dois metros e dez, cento e vinte quilos no máximo, oitenta no mínimo, desportista militante, praticante de "jogging" e adepto de comida vegetariana, evidentemente não fumador, alérgico a tudo quanto cheire a álcool e a "junk-food". Eis pois o novo Português, esse que hoje é muitos e que amanhã será milhões, transpirando confiança, o capacete e as botas rebrilhando, sempre impecável no seu uniforme, orgulhoso e de porte militar, mai-la sua inconfundível conduta marcial. (aplausos)

O futuro apresenta-se radioso. Livres por fim e para todo o sempre do fumo, da comida de plástico, da ginja com elas e sem elas, dos automóveis sem dois catalizadores, dos enchidos não embalados a vácuo e de porcarias que tais, seremos os mais venturosos habitantes cá do torrão pátrio. (aplausos; gritos de "viva Portugal")

Liquidemos sem piedade essas outras ignomínias que ainda por aí empestam os ares, os vendedores de castanhas com os seus nojentos triciclos, aquelas mulherzinhas gordurosas, obesas, horrorosas, aquelas que vendem gelados e pacotes de batata frita nas praias. Trucidemos, por nossa fé e eivados da mais elevada crença, todos esses malvados alfarrabistas e antiquários, essa gentalha das coisas antigas, e velhas, e em segunda mão, queimemos-lhes a livralhada cheia de bicho e os tarecos infestados de caruncho. Encerremos sem dó nem piedade esses antros de micróbios e de salmonelas sortidas, as petisqueiras, com as suas moelinhas e as pratadas viscosas de caracóis e caracoletas, as casas-de-pasto e as tascas onde o pessoal se emborracha com tintol de péssima qualidade, e com imperiais servidas em copos nojentos, (aplausos) e com bagaços feitos sabe-se lá de quê, e tudo aquilo cheio de baratas e de cascas de pevides, o chão todo escarrado, uma estrumeira, que aquelas coisas só à base de lança-chamas, ou à bomba. Também disso havemos de dar conta, nós outros, não tarda nada. (aplausos; palavra de ordem: "somos o futuro")

Vale a pena a luta, camaradas. O futuro é já ali ao virar da esquina. Os sub-humanos já nem sabem onde se hão-de enfiar, agora que os fizemos saltar das suas tocas imundas. Havemos de encerrá-los a todos em guetos, onde poderão ainda - enquanto os deixarmos - fumar os seus malditos cigarros e assar as suas chouriças. (aplausos) E depois, camaradas, o próprio tempo se encarregará de os exterminar. Quanto àqueles que restarem, digamos, num prazo razoável, uns anos, poucos, teremos então a oportunidade histórica de os varrer para sempre da face da Terra. Não tenhamos medo das palavras, camaradas: há que levar a cabo a solução final, a verdadeira, a única, e com urgência. (aplausos)

Não toleraremos mais nem por mais tempo os velhadas inúteis, os aleijados, os estropiados, os inválidos em geral, toda essa escumalha que nada faz e tudo quer, esses malditos judeus dos tempos modernos, essa cambada de parasitas e agiotas, esses cabeludos malcheirosos que nunca vestiram um só fato-de-treino em toda a sua vil e desprezível existência. Aquilo é como as ratazanas, camaradas, não merecem mais do que o destino que lhes está traçado nos genes, a fogueira, o forno; pó e nada, eis o seu destino e a sua razão de ser. (aplausos)

Para que a nossa gloriosa raça sobreviva, é absolutamente necessário que desapareça a corja de inúteis e parasitas que vegetam à nossa sombra e que devoram as nossas sobras. Se eles não sabem a desgraça que são, se desconhecem a sua inutilidade e se recusam a sua evidente inviabilidade, se necessitam de quem lhes diga as coisas, se é preciso que alguém lhes explique, se precisam de quem lhes mostre uma solução, então nós dizemos-lhes, nós explicamos-lhes, nós mostramos-lhes: o vosso futuro está todo ali, naquela chaminé!

Até à vitória!

(ovação; palavra-de-ordem: "chaminé, chaminé")


publicado no Apdeites em 26.11.07