quarta-feira, 2 de abril de 2008

Portugal patético, 2008

E agora, para mais, ficara lá um homenzinho a fazer música clássica…
- É o meu amigo Cruges!
- Ah!, é seu amigo? Pois olhe, devia ter-lhe dito que tocasse antes o «Pirolito»!
- Vossa Excelência aflige-me com esse desdém pelos grandes mestres… Não quer que a vá acompanhar à carruagem? Paciência… Muito boa noite, Sr.ª D. Joana!… Um servo seu, senhora baronesa! E Deus lhe tire a sua dor de cabeça!
Ela voltou-se ainda no degrau, para o ameaçar risonhamente com o leque:
- Não seja impostor! O sr. Ega não acredita em Deus.
- Perdão… Que o Diabo lhe tire a sua dor de cabeça, senhora baronesa!
O velho democrata desaparecera, discretamente. E, da antessala, Ega avistou logo ao fundo, no tablado, sobre um mocho muito baixo que lhe fazia roçar pelo chão as longas abas da casaca - o Cruges, com o nariz bicudo contra o caderno da Sonata, martelando sabiamente o teclado. Foi então subindo em pontas de pés pela coxia tapetada de vermelho, agora desafogada, quase vazia; um ar mais fresco circulava; as senhoras, cansadas, bocejavam por detrás dos leques.
Parou junto de D. Maria da Cunha, apertada na mesma fila com todo um rancho íntimo, a marquesa de Soutal, as duas Pedrosos, a Teresa Darque. E a boa D. Maria tocou-lhe logo no braço para saber quem era aquele músico de cabeleira.
- Um amigo meu, murmurou Ega. Um grande maestro, o Cruges.
O Cruges… O nome correu entre as senhoras, que o não conheciam. E era composição dele, aquela coisa triste?
- É de Beethoven, sr.ª D. Maria da Cunha, a "Sonata Patética".
Uma das Pedrosos não percebera bem o nome da Sonata. E a marquesa de Soutal, muito séria, muito bela, cheirando devagar um frasquinho de sais, disse que era a "Sonata Pateta".
Por toda a bancada foi um rastilho de risos sufocados. A Sonata Pateta! Aquilo parecia divino!
Da extremidade o Vargas gordo, o das corridas, estendeu a face enorme, imberbe e cor de papoula:
- Muito bem, senhora marquesa, muito catita!

Eça de Queiroz, Os Maias


1 comentário:

Paulola disse...

Não sei como expor esta situação. É possível ter um café, um bar ou um restaurante para fumadores sem incomodar os que não fumam.
Sou fumador e incomoda-me entrar em estabelecimentos que ao lado do aviso de proibida a entrada a animais existe o aviso vermelho de "não fumadores".
Existem máquinas de tratamento de fumo de tabaco que pelos vistos é desconhecido dos donos dos bares.
Podemos coexistir em paz e sossego num ambiente livre de fumo. Basta os proprietários assim quererem.
Deixo ficar aqui o meu email porque é esta a minha postura. Caso queiram responder directamente estou à vossa disposição.
paulola@hotmail.com ou ainda paulolacm@gmail.com