quarta-feira, 13 de abril de 2011

«Um amor que arde e até se vê»

O ‘smirting’, que é como quem diz fumar e namoriscar, é uma consequência das leis antitabágicas.
Via Destak, 12 de Abril de 2011, Edição nº 1573, pág. 4


Artigo de Vera Valadas Ferreira :

Estará a proibição de fumar em locais públicos a condicionar a forma como nos relacionamos socialmente e, ainda mais especificamente, a nível amoroso? A resposta é sim.

Espelhando aquilo que acontece nos restantes países antitabágicos, em Portugal, apesar de ainda não existirem dados oficiais, a lei começa já a mudar os rituais de socialização, não obstante ter sido implementada há apenas três anos. O smirting, a prática de fumar (smoking) e de namoriscar (flirting) à porta de locais públicos como bares, restaurantes, cafés, escolas, hospitais, tribunais e outros onde seja expressamente proibido fumar, já está implementado em Portugal.

Só que, a exemplo do que acontece com os namoros iniciados via Internet, por muito que saiba bem, às vezes (ainda) parece mal contar aos pais e aos amigos ‘velhos do Restelo’ que se conheceu a cara-metade entre uma baforada e outra.

Se desde sempre a táctica do «tem lume?» ou «não me dava um cigarrinho?» fez parte da cartilha do engate, agora ela é cada vez mais eficaz. Entre fumadores, a angústia (o transtorno, a chatice) de interromper o que se está a fazer para ir lá fora inalar a sua dose preciosa de nicotina é motivo mais do que suficiente para que se crie um elo mais forte que qualquer discrepância etária, social, religiosa ou política.

Desde 2008, também os fumadores portugueses são uma espécie de ‘geração à rasca’, convenhamos, que ainda não se mentalizou de que esta é uma mudança, muito provavelmente, para toda a vida.


Novos hábitos
Em Março de 2005, quando na Irlanda foi instituída a lei antitabágica, assistimos em primeira mão a este partilhar de mágoas à porta de um conhecido bar da cidade. Lá, onde 25% dos casais que começaram a namorar em 2007 ou 2008 estreitaram laços enquanto fumavam à porta de um local público, uma finlandesa explicava então que era apenas «uma questão de hábito». Mais: na empresa onde trabalhava, o ‘castigo’ de ir fumar à rua favorecera o intercâmbio entre profissionais de vários sectores de uma mesma empresa que, em condições normais, nunca trocariam uma palavra...

Atento ao fenómeno no seu país, o irlandês David Lowe escreveu o Good Guide to Smirting, um manual com dicas para a conquista sentimental de cigarro na mão. Ter sempre um isqueiro pronto a usar, aguardar pela chuva – em caso de mau tempo os fumadores ficam mais juntos, protegendo-se da intempérie debaixo de sombrinhas e varandas – e treinar o charme no gesto de pegar no cigarro e inalar é a receita para um amor que arde... e até se vê.


As múltiplas faces de um fenómeno a nível mundial
NOVAS QUEIXAS
Em Espanha já não é só do fumo que a população se queixa mas sim do ruído que os fumadores fazem na rua por causa do smirting.

‘SMORKING’
O acto de namoriscar enquanto se fuma é apenas uma das nuances das conversas informais à porta de um local público. O smorking (smoking +working) é, provavelmente, a maior tendência quando colegas de ofício comentam questões de trabalho enquanto partilham cigarros.

‘SMARRASING’
Se é daqueles que, entre baforadas, não se coíbe de comentar as indumentárias envergadas por quem passa ou por quem ali esteve a seu lado, saiba que está a praticar smarrasing, uma combinação de smoking com harrasing (assediar). No momento de exercitar a má-língua, o melhor será pensar duas vezes, não vá o caro leitor ser a próxima vítima.

‘SMURFING’
Nas pausas para fumar, os mais tímidos ou anti-sociais podem optar pelo smurfing, a contracção do acto de fumar com o hábito de navegar na Internet via telemóvel. Já não é segredo que o aparelho tem servido como uma espécie de ‘bengala’ social para quem não sabe lidar com a solidão.

‘SMORING’
De todos os fenómenos, o pior que lhe pode acontecer é cair no smoring (uma derivação de boring), que é como quem diz aborrecer os outros com as suas conversas.