sábado, 22 de março de 2008

História do fumo III - Arqueologia da fumaça - V

Memória de ex-fumador

Tendo nascido em Cacilhas, a terra dos burros, neto de tasqueiro (um taberneiro) do "cais", as minhas companhias (o pessoal do bando) eram a "malta da praia"; antigamente, a educação mandava que, quando se entrava no barco ou na camioneta, se deitasse a chucha fora (o cigarro) mais ou menos inteira (e sem filtro). Eu e a malta, quando não íamos à chincha (fruta), ou à gandaia, no transbordo do peixe, apanhávamos as beatas, havia "a dar c'um pau", e comprávamos um livricho de mortalhas, os lençóis onde enrolávamos os nossos cigarritos (as grilas) que íamos fumar para as grutas das lobas no fim do Ginjal (onde hoje está o elevador, onde íamos ao banho, na praia das lavadeiras); ou, mais perto, num vão de escada, mais perigoso por causa da guarda fiscal ou da polícia (esta instalou-se em 1936, ao pé da cocheira do Narciso, tinha eu seis anos, e um polícia "amandou-me" com o chanfalho às costas, sem eu fazer nada de mal, senão jogar ao "toca las canas".
Abandonei, porque a nova "fessora" nem admitia o cheiro do tabaco; o grupo desfez-se, não dava para andar às beatas. Fumar papel de caderno não agradava, nem as barbas de milho que apanhávamos na quinta do Serra.
E assim deixei de fumar aos dez anos.

Jorge Fernandes
Lisboa
Diário de Notícias, 21.03.08, "Cartas".

Sem comentários: